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5 preconceitos cervejeiros que precisam ser aposentados

ão é a toa que as cervejas “especiais”/artesanais viraram alvo de zoeira da gigante AB-InBev no infame comercial do SuperBowl deste ano. Cheios de manias, todos dengosos, os apreciadores das ditas cujas vão se tornando cada vez mais sectários à medida que alguns mitos vão sendo propagados na comunidade – com a infeliz cumplicidade de algumas microcervejarias querendo garantir o seu faturamento. Pois além de não estarem ajudando, estão atrapalhando o ingresso de novos adeptos, que desanimam com tanto preconceito e patrulhamento… por exemplo:

“NÃO BEBO CERVEJA COM MILHO E ARROZ”

Parafraseando o ditado popular, é feio cuspir no copo em que bebeu. A menos que você seja uma criatura muito especial, diria até mitológica (tipo um unicórnio cervejeiro), que já começou a carreira de bebedor por exemplares de diferentes estilos e nacionalidades, você deve a sua entrada neste mundo às cervejas com milho e arroz. Só que elas têm que ser consideradas dentro de sua proposta, que não é ambiciosa nem ousada. O fato de conterem milho e arroz, como já falei em mais profundidade no post passado, não é razão para tratamento pejorativo, nem para sensação de superioridade. Sua “puro malte” artesanal querida pode estar cheia de defeitos de fabricação – e se você é incapaz de dizer se uma cerveja apresenta um certo tipo de defeito ou não, não devia estar por aí arrotando uma pretensa superioridade. Não só isso, o pior é que às vezes bebem sem se dar conta, já que, curiosamente, alguns rótulos traduzidos de cervejas importadas eliminam esse e outros “detalhes” – como o uso de açúcar em várias cervejas belgas. O problema dessa chatice é que ela já transcendeu a mera inconveniência para se tornar uma intolerância séria e até agressiva por parte de um grupo – cada vez maior – de bebedores recém-convertidos. Preguiça master dessa gente…

“CERVEJA DE QUALIDADE É SÓ ÁGUA, MALTE DE CEVADA, LÚPULO E LEVEDURA”

Serve como complemento/corolário da chatice anterior. Para os bávaros, que tiveram que se convencer disso ao longo dos séculos, faz todo o sentido. O resto da Alemanha foi obrigado a engolir essa história nos últimos 100 anos, e não curtiu muito – felizmente, existem alguns estilos sobreviventes deste AI-5 cervejeiro medieval, como a roggenbier e a gose. Mas se você não é alemão, e muito menos bávaro, limitar a cerveja a estes quatro ingredientes é glorificar uma contigência histórica que tem muito pouco a ver com a qualidade da cerveja e mais com interesses econômicos e políticos. E tentar impor essa visão como se fosse algo universal é uma ignorância histórica. As witbiers e weizenbiers levam trigo não maltado na receita, há outras tantas cervejas que levam aveia e centeio… enfim, o que define a qualidade da cerveja não é o tipo de ingrediente. Muito menos uma regra medieval nem tao bem-intencionada assim.

“CERVEJA DOCE/COM FRUTAS É PARA MULHER”

Não conheço pesquisa científica que aponte preferências específicas de sabores por gênero, muito menos específica ao Brasil. Se alguém conhecer, maravilha, cartas para a redação (ou melhor dizendo, e-mail para este repórter). Mas ainda que haja indícios dessa preferência, obviamente, não estamos tratando da totalidade de ambas as populações, portanto… vamos parar com essa rotulagem boba, feia e chata. O meio cervejeiro é machista, e como bom machista, nega totalmente essa característica, mas como diria o véio Nelson, é batata. Basta alguém fazer referência a uma cerveja adocicada ou com frutas e pronto: “Ah, mulher deve gostar”. Como expliquei no meu post do Dia da Mulher, até que se prove o contrário, só existe um tipo de cerveja que é realmente indicado para todas as mulheres.

“CERVEJA AMARGA É PARA MACHO”

É a chatice que faz o contraponto da anterior – tão idiota e machista quanto. Felizmente, é bem menos predominante. É utilizado por alguns entusiastas das representantes do estilo India Pale Ale (IPA). Para eles, definição de hombridade é apreciar – ou pelo menos dizer aos outros que aprecia – cervejas que levam quilos e quilos de lúpulo (a flor que desde a Idade Média se tornou o tempero/conservante padrão da cerveja). E haveria ainda, segundo esse “raciocínio”, uma relação direta entre o nível de amargor que o fulano é capaz de aguentar “sem fazer careta” e o nível de macheza. Curiosamente, essa macheza toda de beber “sem fazer careta” na maioria das vezes acaba quando se deparam com uma cerveja de acidez elevada, como as lambics e flanders brown/red ale. Conheço não uma, mas várias mulheres que apreciam cervejas intensamente amargas. Ok, isso não é em si um argumento, é apenas viés de disponibilidade, assim como o “comprei essa cerveja e a minha esposa adorou” que é comum na chatice anterior. Novamente, me mostrem estudos que comprovem que as mulheres que a gente conversa… até lá, não existe razão para afirmar tal coisa.

“O ESTILO DE CERVEJA X É SÓ PARA OS INICIADOS”

Este item, infelizmente, é muito comum e disseminado mesmo entre os especialistas na bebida. É a noção de que o paladar segue um desenvolvimento praticamente linear, que começa nas cervejas mais leves e/ou mais semelhantes à “tipo pilsen tradicional” e acaba nas cervejas ácidas – que seriam o pináculo da evolução, e só os seres mais cervejeiramente iluminados seriam capazes de apreciar em sua magnitude. Nada mais falso. Há quem largue a loura gelada tradicional direto por uma IPA com amargor nos píncaros, e não consiga de forma alguma curtir uma weiss. Há quem nunca tenha provado uma cerveja diferente e se amarre, de cara, numa scotch ale caramelada ou em uma lambic super azedona. Vai depender dos antecedentes gustativos e olfativos de cada um. Depoimento pessoal: uns três anos atrás, depois de tanto ouvir o quanto uma amiga minha, chamada Ludmila, adorava colocar vinagre na comida, comprei de presente de aniversário para ela (completamente leiga em cerveja) uma Boon Marriage Parfait, uma gueuze (mistura de lambics jovens e antigas) super-azeda. Foi paixão ao primeiro gole, e ela me agradece até hoje, apesar de não ter se convertido em uma caçadora de rótulos variados. Tem gente que bebe cervejas diferentes há anos e anos, mas continua sem curtir as azedas.

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